Das Variadas Possibilidades de Nos Cuidarmos: a Arte

novembro 4, 2016 Maíra de Aviz No comments


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Eu acredito numa profunda conexão entre Arte e Psicologia. Vivi como artista desde a infância momentos de muito prazer e amor ao estar no palco, e hoje, ao olhar para isso, vejo o quanto o contato com a arte e o exercício do criar foram extremamente importantes para eu lidar com situações de angústia em diferentes momentos da minha vida.

Criar é naturalmente terapêutico, pois entramos em contato com conteúdos emocionais pessoais, e até mesmo inconscientes. No momento em que conseguimos expressá-los, nosso corpo automaticamente se autorregula, num mecanismo que Freud chamou de “sublimação”, e Lowen de “experiência culminante”.

Em determinado momento da minha prática clínica como Psicóloga, passei a buscar entender o sentido deste efeito tão prazeroso na minha vida, e de como oportunizá-lo também
para outras pessoas. Esta descoberta, não só me fez profissionalizar como Atriz e Dançarina, mas também me fez descobrir a Arteterapia – me encantando com o quanto a arte e o corpo podem ser ferramentas integradoras para expandir percepções, prevenir e cuidar, promovendo bem-estar e melhor qualidade de vida.

Ao mesmo tempo, a Psicologia me proporciona o contato com o ser humano e suas mais variadas histórias, limites e circunstâncias, e desenvolve minha escuta sensível a cada um que confia a mim ajuda. Considero todos estes profundos encontros com as pessoas a minha grande base e bagagem como Atriz e Dançarina para realizar meu processo criativo com profundidade a cada novo trabalho artístico que se inicia.

Estou escrevendo hoje, para falar das variadas possibilidades de nos cuidarmos: a Arte. Também para levar mais uma vez em conta a necessidade de se falar mais em Saúde do que em Doença, e de nos permitirmos pedir ajuda.

Quando falo em saúde, quero também dizer saúde emocional, da mente, da alma, do coração – ou como preferirem chamar – pois é possível que de imediato se pense somente em saúde física. Isso naturalmente acontece porque nós separamos “mente” e “corpo” em determinado momento da história, e quando fizemos isso abandonamos o corpo e passamos a valorizar o trabalho racional, do previsível, e do controle sobre as coisas e a natureza.

Para além da racionalidade, o momento contemporâneo tem o comportamento do ser humano sobretudo pautado no individualismo, no consumismo, no imediatismo, e na busca insaciável pelo poder. Nos deparamos com sujeitos solitários, que vivem sob ações instantâneas, tornando superficiais, inseguras e fragilizadas suas relações – sejam elas consigo mesmos, nas relações amorosas, familiares ou de trabalho. Sem falar nos elevados índices de Depressão, Crises de Ansiedade, Dependência Química, Fobias, dentre outros quadros clínicos mais graves, e cada vez mais comuns em nossa sociedade.

Todos estes dados refletem o sofrimento do ser humano no nosso tempo, e a necessidade de um lugar de amparo. Muitas pessoas, porém, têm dificuldade em pedir ajuda –  uns por medo, outros por vergonha, outros por orgulho, outros porque acreditam que o motivo do sofrimento é pequeno. Mas de qualquer forma, não conseguem se livrar do mesmo, já que é muito difícil resolvermos questões semum olhar externo. Uma angústia às vezes aparentemente “boba”, é uma questão extremamente profunda, e se não entrarmos em contato com ela, iremos nos deparar de novo mais adiante, e de maneira cada vez mais rígida. A Psicoterapia é uma grande alternativa para quem se sente emocionalmente abalado, ou que esteja simplesmente na busca de autoconhecimento.

Reich foi um dos pioneiros a sugerir o resgate do corpo em análise, valorizando sua integração com a mente. Comprovando que a psique está registrada no corpo, ao trabalhar com ele nos conectamos diretamente com memórias que trazem lembranças e sensações muitas vezes esquecidas e que nos causam angústias. A consciência dos movimentos do corpo facilita a assimilação do mundo interior, bem como do universo imaginário e simbólico da pessoa. Reich acreditava muito no trabalho de Prevenção no âmbito da saúde: “Somente a prevenção ou tomada de consciência entre os homens pode conduzir através de uma revolução interior, à evolução humana”.

Algum tempo depois, Lowen trouxe a idéia de prazer como asensação de harmonia entre o organismo e seu ambiente. Ele dizia que, sem prazer, não haverá criatividade, e sem uma atitude criativa diante da vida, não haverá prazer. A pessoa que está abalada emocionalmente não consegue perceber a si mesma, e nem entender porque age de determinadas maneiras – por isso a importância do olhar do outro.

A Arte é expressão do corpo, considerando a mente e o corpo como um todo, e que, portanto, estão integrados. É fruto de nosso tempo, porém, que apesar de todo ser humano nascer com este potencial criativo imenso para desenvolver, nossa sociedade rígida o bloqueia, sendo cada vez mais difícil reencontrá-lo à medida que se torna adulto – havendo, como do corpo, um abandono da criatividade.

É por isso que usar o corpo e a arte como ferramentas de cuidado pode ser uma grande oportunidade para entrarmos em contato com estas questões emocionais. São veículos de comunicação e expressão que permitem estimular novas formas, sendo a palavra dita muitas vezes não suficiente.

A arte nos conduz às nossas sensações originais, para que possamos reconhecê-las e transformá-las; neste movimento, ela nos recria e garante que possamos seguir em contato com o que temos de mais autêntico. Podemos pensar que a arte nos transforma e, ao nos transformar, possibilita que sejamos nós mesmos”. (Outeiral, 2004)

Chamada de Arteterapia por alguns, esta abordagem surgiu no campo da Saúde Mental, sobretudo a partir do movimento da Reforma Psiquiátrica. Apesar de ter surgido dentro dos hospitais psiquiátricos, esta forma de usar a arte pode ser importante para muitas pessoas, estejam elas mergulhadas em problemas sérios, ou apenas desejando explorar a si mesmas.

Esta perspectiva foi sabiamente desenvolvida por Nise da Silveira, segundo a qual a arte traz a verdade interior de seu criador e este é seu valor maior. Nise da Silveira, na década de 40, no Rio de Janeiro, após questionar os tratamentos da medicina da época e observar várias atividades, percebeu que a expressão livre por meio do desenho, da pintura e da modelagem possibilitava a evolução dos quadros clínicos dos pacientes internos.

A partir da década de 1970, no Brasil, o movimento da Reforma Psiquiátrica tornou-se mais atuante, surgindo as Oficinas Terapêuticas como espaços de criação e facilitação da comunicação e relações interpessoais, também de criação coletiva, incluindo mais adiante as de música e expressão corporal, como a dança e o teatro.

Um trabalho em Arteterapia permite ampliar a capacidade de escuta e comunicação de vontades, limitações, possibilidades e angústias, desenvolvendo uma maneira própria, espontânea e autêntica de lidar com as mais diversas situações rotineiras. Permite-se conhecer as próprias fraquezas e limitações, e, ao invés de escondê-las ou reprimi-las, acolhê-las e resignificá-las. Ao representar simbolicamente uma experiência, o ser humano revive-a, se tornando mais capaz de lidar com ela na vida real.

Dessa forma, assume-se como responsabilidade criar, conservar, ativar e ampliar espaços de autonomia criativa, liberdade de expressão, sendo que as produções artísticas vêm daí em natural desdobramento. Através das vivências em Arteterapia, acaba-se por auxiliar a saída da pessoa de uma posição passiva, e se fortalece a tomada de posse de suas habilidades e talentos, também no coletivo. Tais vivências não têm como objetivo produtos finais esteticamente agradáveis a serem julgados segundo padrões externos, e nem se restringem àqueles que buscam o trabalho como artistas, ou ainda somente a pessoas com estados graves de saúde física ou mental.

Eu iniciei o desenvolvimento de trabalhos com oficinas que utilizavam a Dança e o Teatro como ferramentas terapêuticas em 2011, quando trabalhei com mulheres adultas e adolescentes em situação de dependência química na Comunidade Terapêutica Rosa Mística (Ponta Grossa/PR). Em 2012, envolvi outro trabalho para os pacientes da Unidade de Clínica Dia do Hospital Espírita de Psiquiatria Bom Retiro (Curitiba/PR). Fundamentei os trabalhos com os conhecimentos da especialização em Psicologia Corporal (Centro Reichiano, 2014), fazendo integração também com a Dança-de-Salão – em especial com o Tango; além da pesquisa com o tema pouco abordado no mundo acadêmico, A Saúde Emocional do Artista, com foco no trabalho do ator. A partir de 2015 passei a realizar Oficinas Terapêuticas também em escolas, com o público de alunos e profissionais de Artes Cênicas e Dança-de-Salão.

Não são necessárias nenhuma habilidade ou inabilidade específica para participar de Oficinas Terapêuticas em Arteterapia. Seja na Psicoterapia Individual, ou com Grupos, utilizando estes recursos, ou não, os objetivos buscados não estão limitados àquelas pessoas rotuladas como carentes de auxílio especial, mas representam qualidades humanas que todos buscamos em um momento ou outro, quando desejamos explorar a nós mesmos.

Quer conhecer mais um pouquinho do meu trabalho clínico?

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